segunda-feira, 26 de março de 2012


Moda para eles

Estilista cria roupas para melhorar a qualidade de vida dos deficientes


Flora Awad
Maria de Fátima Grave, professora de modelagem em cursos de moda em três universidades paulistas, deparou-se há alguns anos com um pedido inusitado: criar uma camiseta capaz de passar na cabeça de um menino de 5 anos com hidrocefalia. "Parecia impossível que a mãe não encontrasse algo pronto, mas não havia mesmo. Criei um modelo com decote que abotoava nos ombros", conta. O fato despertou sua curiosidade para pesquisar roupas para deficientes e resultou no livro A Modelagem sob a Ótica da Ergonomia (Editora Zennex Publishing, 2004, R$ 34*). Além disso, a estilista levou para as passarelas, na Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, modelos exclusivos para deficientes físicos que usam cadeira de rodas ou muletas. Nesta entrevista, ela comenta esse trabalho.

Que pesquisas fez para produzir essas roupas?
Comecei a visitar um centro de reabilitação, a cronometrar o tempo que os pacientes demoravam para se vestir e a entrevistar deficientes na rua. Fiquei inconformada com o descaso social e a desatenção do mercado da moda a esse público, que é grande – são cerca de 24 milhões no país. Pesquisei também o que se fazia no exterior e verifiquei uma preocupação apenas com a funcionalidade do vestuário, algo como uma alça na roupa que facilite sua colocação. Mas roupa precisa ter conforto, qualidade de caimento, atender a gravidade do corpo de quem usa e a sua motricidade. Daí veio a idéia de desenvolver roupas ergonômicas para deficientes.

O que significa uma roupa ergonômica?
A ergonomia trata da linguagem do corpo, das suas formas e movimentos. A roupa ergonômica responde a essas necessidades e nela eu consigo me sentir bem e bonita ao mesmo tempo. Nos modelos que crio, valorizo as funções do tecido, dos recortes, das costuras, a posição dos pontos e dos bolsos de acordo com as dificuldades que o deficiente tem para se vestir. 
Flora Awad
Quais são essas dificuldades?
O deficiente físico costuma comprar peças dois números maiores para não correr o risco de não servir. Em geral, não há espaço para ele experimentar a roupa num provador com a cadeira de rodas. Volta para casa inconformado e muitas vezes se sente um pacote malfeito. As mães de hoje também não têm mais o hábito de costurar em casa para adaptar essas roupas e é difícil encontrar quem faça
o serviço. Em resumo, o grande problema é que não existe a roupa adequada para esse deficiente. Uma pessoa com problema nas mãos, por exemplo, pode levar
até 20 minutos para abotoar uma camisa. Se há falta de sensibilidade nas pernas e a pessoa fica sentada muito tempo, o bolso, as costuras malfeitas, grosseiras, fazem escaras. Para os amputados, a questão é fazer com que a roupa tenha uma harmonia. Para isso existem técnicas, como recorrer a um enchimento, trabalhar com duplicidade de tecido ou fazer uma costura diferenciada.
Suas criações são para deficientes a partir de que idade? Tem peças para bebês?
Não faço roupas por idade, e sim por patologias. Se a pessoa é grande ou pequena, isso não tem interferência. Costuro para todas as idades. O bebê é o que mais precisa de uma roupa ergonômica, porque seus ossos são muito frágeis. É preciso ter cuidado com os recortes da sua roupinha.

Você vende essas roupas?
Tudo o que produzo é experimental, para apresentar em desfiles e mostrar às mães que são produtos viáveis. Por enquanto, a idéia é ajudar as pessoas com meu livro. Ali, podem aprender a fazer as modificações necessárias na roupa do filho. Penso mais tarde em criar uma grife, quando for possível
fazer essas roupas em grande escala para que todos possam ter acesso. Não quero algo elitizado, mas também desejo vestir o deficiente com qualidade. Se algo, uma cor por exemplo, está na moda, ele também vai usar.

Há um tecido melhor para o deficiente?
Estou trabalhando bastante com o visco-Lycra que é uma viscose de algodão com Lycra. Ela é macia, tem uma aderência boa no corpo e é fácil de vestir. O cotton também é um tecido muito bom e a Lycra é ótima para absorver líquidos derramados. Mas mais importante que o tecido é o tipo e local das costuras para dar conforto ao deficiente.

Além de roupa, faz outras peças?
Sim, acessórios. Bolsa é um problema. Não tem nada adequado para os deficientes físicos. Eles reclamam que não ficam elegantes com ela. A solução é fazer a roupa com utilitários, um bolso feito com o próprio tecido e com velcro, que pode ser fixado e tirado quando quiser. Faço calças de uma forma que não precisem de cinto. Uso velcro ou elástico, por exemplo. 
Que retorno teve de quem experimentou a sua roupa?
Tudo de bom. Os deficientes que desfilaram com minhas roupas se sentem bonitos, elegantes e vaidosos. Sou convidada a dar palestras em faculdades e eventos por todo o país. Mas no início não foi nada fácil. Em algumas instituições, eu não passava da recepção. Achavam supérfluo e inviável pensar em roupa para deficientes, enquanto eu a via até como alternativa de locomoção, pois havia feito uma roupa para uma pessoa que se arrastava usando sandálias de borracha amarradas em alguns pontos do corpo para não se machucar. Viver dessa forma é que é totalmente inviável. Por tudo isso, já estou preparando um segundo livro para apresentar roupas para deficientes. Deve estar pronto no próximo ano. 

Flora Awad

Contribuição de Bárbara e Natália
Link: http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI16005-15159,00.html 

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